segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Depois das seis




Mas não é bem assim, uma pessoa não é um doce que você enjoa e joga fora. Ele disse olhando firme nos olhos dela, que tentava desviar o olhar. De você eu esperava mais e olha que nem cheguei a planejar porra de futuro nenhum contigo. Era só uma possibilidade de amor que você deixou passar.

Ela olhava para baixo como se procurasse algo para se distrair enquanto ele continuava falando, tropeçando em queixas.

- Não deixei que virasse paixão, você pode até achar que sim, mas garanto que não. Te asseguro que não. Pra falar a verdade às vezes era melhor saber que você estava longe, ao menos assim me sentia melhor não podendo interferir no fato de você estar longe de mim e por isso eu me acalmava. Nesses meses que você esteve longe era como se você não existisse. Não havia nada para resistir. Agora estamos aqui, sentados nesse banco de praça, no meio da semana, enquanto os outros trabalham, falando sobre nós. Na verdade quem está falando sou eu, você fica aí parada e não sei ao certo se você está me ouvindo ou fingindo ouvir e se você estiver só fingindo será apenas mais uma forma que você arranja de se comportar comigo, com a sua habitual indiferença. Eu imaginava de vez em quando que você fosse diferente e pudesse mudar, mas você não mudou até agora, não só eu quem vai esperar que isso aconteça.

Às vezes ele calava, deixando que aquele breve espaço fizesse ela falar alguma coisa, mas ela não falava nada. Ele prosseguia.

- Olha, eu talvez esteja me repetindo, mas minha intenção é que você saiba de tudo isso que eu já senti. É, por que agora não sinto mais nada além dessa vontade de dizer essas coisas e todo esse discurso palavroso. Não queria que você me visse mais nem me ligasse tarde da noite chorando pra jogar conversa fora ou pra tentar me convencer de alguma coisa que você não pode garantir. Não me peça pra entender. Já me sinto acostumado, e de certa forma isso me deixa mais forte. Se você está confusa, tudo bem, só te peço que não me confunda com essa sua indecisão sobre si mesma. Eu queria que fosse diferente, que a gente pudesse levar adiante essa história mesmo com toda a culpa que você disse sentir sobre mim ou mesmo com a quantidade de coisas que temos de diferentes um do outro. Eu queria que você fosse menos insegura. Eu queria que você gostasse mais de mim a ponto de não ter que inventar problemas que você insiste em cultivar. Realmente não entendo a razão disso. Você entende pelo menos? Pode me dizer agora por quê?

Ela ainda não diz nada, mas de repente seus olhos deixam de olhar o chão e se voltam aos olhos dele. Os olhos de um concentrado no olhar do outro. Mas as palavras não vieram. Alguém que passava pela praça interrompe pedindo alguns centavos e depois disso nem ele nem ela conseguiu resgatar a mesma concentração para aquela conversa, menos ainda os olhares voltaram de novo um para o outro com a mesma naturalidade.

- Não sei que horas são, mas deve estar tarde para mim, percebi que o sol desceu bastante desde que chegamos aqui, estamos no fim da tarde, preciso ir embora. Te chamei aqui pra te dizer essas coisas, mas realmente não sinto que você entendeu alguma coisa, não sei se adianta conversar dessa forma onde só uma pessoa fala, você não reage e essa uma é forma de desconversar. Você me faz recuperar um medo que eu já havia perdido. Preciso descansar, amanhã trabalho o dia inteiro e tenho chegado muito cansado, só hoje que arranjei mais energia, era preciso te dizer essas coisas. Ontem decidi parar de fumar, mas hoje definitivamente eu não conseguiria.

A praça vai escurecendo. As pessoas caminham apressadas aumentando a fila do ônibus. A poeira incolor varre o lixo para os cantos do centro. As luzes dos postes acendem aos poucos enquanto os carros se aglomeram no asfalto. A cidade parece mais pesada naquela hora, nenhuma pessoa parece respirar direito. Antes de ir embora ele dá meia volta se aproximando dela, que ainda está sentada, olhando para nada, a pele branquíssimamente limpa do seu rosto bonito, os lábios extáticos como se nunca mais fosse falar na vida.

- Afinal, quanto vai custar esse aborto?